segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

GRAVATAS - PARTE 1

O dia mal começou, e um homem grisalho vem chegando em sua casa, em um bairro simples, periferia de alguma grande cidade por aí. Traz consigo o jornal, que prudentemente comprou, na mesma banca que tomou um café com velhos amigos. Seu nome é Epaminondas. "Seu Epa", para os vizinhos. Podia ser João ou José, a pronúncia é bem mais fácil, mas seus pais lhe deram esse lindo nome que parece nome de remédio... para o fígado? Bem que podia ser algo mais nobre.
Átila, o cachorro, espera no portão, e o segue até a sala. Deita no tapete, e espera sua ração. O homem enche um pote com o apetitoso manjar canino e coloca ao lado do companheiro. Senta-se no sofá, ajeita os óculos e passa a ler o diário. Um presidente falou mal do outro, um ator bateu o carro, um bandido escapou da prisão. Todo dia é a mesma coisa. Ele olha o cão e pensa: que vida boa, ser um animal. Sem impostos, sem preocupação alguma, sem ter que andar vestido, sem ter que fechar a porta da rua que deixei aberta...
O peso dos anos de trabalham já o incomodam, e não é tão fácil como antes sair da poltrona. Após duas tentativas, ele consegue. Vai até a sala, fecha a porta, passa pela cozinha e pega um café. Jogou o jornal em algum lugar que depois vai ter que procurar, e liga a TV.
Esperava encontrar alguma coisa qualquer para ver, ou para criticar, pelo menos. Plantão. Notícia de última hora. E já é polêmica. Um homem encontrado morto pela manhã, na garagem de um prédio onde funcionam vários escritórios. Advogados, médicos, agiotas. O homem se empolga. Enfim, algo diferente em uma segunda-feira chata e sem graça.
O jovem repórter mostra o local onde estava o corpo, como se isso ajudasse a explicar a morte. A vítima era um jovem empresário emergente, estava indo encontrar com seu advogado, que nada explicou também. A polícia não quer dar detalhes, tudo está sendo investigado. Nada foi roubado, quebrado ou mudado de lugar. A única evidência até então são marcas no pescoço do homem, como se tivesse sido estrangulado. Um policial ordena que parem de filmar, e acaba a brincadeira.
Seu nondas, seu nondas, alguém vem gritando. É o garoto filho do vizinho, que ainda não consegue dizer certo o nome do simpático vovô. Ele vem trazer biscoitos para o cão todo dia. Coisa de criança que não tem um cachorro, se apegou ao do vizinho. Assim como entrou, logo vai saindo pela porta dos fundos, deixando um rastro de sujeira, trazida pelos pés imundos do quintal. O canino fica todo animado, mas não segue o garoto. Olha para o dono, que o dispensa: pode ir, mas volte logo!
Epaminondas passou o dia em casa, acompanhando os noticiários, que não cessaram. Todos queriam saber a causa mortis do empresário, mas o IML não liberou informação alguma que pudesse explicar o caso. Somente à noite, num telejornal menos cotado de uma emissora menor, que uma evidência surge. Um furo de um jovem repórter: existe uma testemunha do fato. Alguém viu a vítima saindo de seu carro, e estava viva ainda. Teria fechado o veículo, e logo em seguida levado a mão ao pescoço, como se algo o incomodasse. Logo, estava caído ao chão. A testemunha, de rosto não identificado e voz adulterada, sentira medo e saiu correndo para seu trabalho.
'Que bobagem', pensava Epaminondas. Tanta gente que morre todo dia, para que a preocupação com esse? É só mais um, ora. E tomou o cão pela coleira para passear pelo bairro. O ar fresco da noite lhe fazia bem. Gostava especialmente de passar em frente aos bares, e ver a garotada que se reunia por ali, principalmente as moças... ah! As moças. Quem dera ter de novo seus 20 e poucos anos.