sábado, 19 de dezembro de 2009

onde esta meu corpo

Após um dia cansativo, saio me arrastando pela rua em direção ao ponto de ônibus. São apenas cinco quadras, mas com o calor do verão parecem milhares. Passo em uma praça, crianças brincam e tomam sorvete, alguém passeia com o cachorro, a sombra de uma árvore é convidativa. Dobro a esquina e vejo meu transporte já chegando ao ponto. Acelero o passo, e aceno para o motorista, que felizmente me vê e espera pelo meu embarque.
Logo me acomodo ao fundo do coletivo, na última poltrona que restava vazia. O trânsito está daqueles dias. Pudera, é sexta-feira, dia em que todo mundo parece enlouquecer. Consigo escapar um pouco da hora do rush porque saio às cinco da tarde. O ônibus vai indo lentamente, e eu vou observando a rua, a mesma rua de todo o dia. Já fazem três anos que estou no mesmo trabalho, tenho um salário razoável, as coisas vão bem, mas ainda falta alguma coisa. Encosto a cabeça na janela e adormeço por alguns minutos.
De súbito, um solavanco me faz abrir os olhos, e percebo algo estranho. Não reconheço o lugar, parece que o veículo está em uma ruazinha estreita. Sinto então uma sensação estranha. Olho para o lado, e percebo que está tudo diferente, não estou na mesma poltrona onde estava sentado, sequer estou no ônibus que passa em meu bairro. Será que me enganei? Penso. Levanto, puxo a campainha e desembarco no primeiro ponto. Estou num bairro oposto ao que preciso ir.
Caminho pela rua, tentando voltar à avenida de onde o ônibus saiu, para ir para casa. Ao passar por uma vidraça, dou uma olhadela e tomo o maior susto: eu não sou eu. Aí que percebo que minha roupa não é a minha roupa, meu sapato está diferente, tudo está errado. Alguém que passara fica rindo de mim. Claro, devo ter feito cara de assombração quando vi aquele homem no reflexo da janela, aquele que não sou eu... mas o que faço aqui se não sou eu? Isso só pode ser um pesadelo. Ando apressado, e tomo o primeiro ônibus de volta para o centro da cidade. Está lotado, me espremo e fico quieto ali, muito confuso e assustado.
Sem saber por que, desembarco no ponto perto do meu trabalho, e dou uma caminhada pelo bairro. Chego à praça, e sento ao tronco de uma árvore. Fico ali durante um bom tempo, já anoiteceu e não consegui levantar. Sinto uma espécie de confusão misturada com susto e ansiedade. Se não estou em meu corpo, estou onde? Será que morri e voltei em outro corpo? Mas quem sou eu então? Não tenho nenhuma lembrança estranha. Nada além de ter tomado o ônibus para ir para casa. Mas se não fui, então, o que fiz? E meu corpo, será que foi para casa? Decido ir e verificar. Mesmo não encontrando minhas chaves no bolso, sei de uma forma de entrar no condomínio onde moro sem precisar de chaves. Só preciso ser rápido para não ser notado.
Retorno ao ponto de ônibus e espero. Alguém me observa, e logo se aproxima. Me cumprimenta, eu respondo, e sigo calado. O homem indaga por pessoas que nunca ouvi falar, eu tento prestar atenção para não perder o transporte e vou concordando com monossílabos. Logo, o coletivo para meu bairro se aproxima, e eu lanço um – vou neste – e embarco sem falar mais nada ao cidadão que fica me observando confuso. Tudo cheio, sigo em pé até meu destino.